Friday, November 02, 2007

Fim de Semana

Era uma tarde de domingo, chuvosa e solitária. Como Londres nos anos 80. Londres era chuvosa e melancólica nos anos 80? Talvez fosse, ele nunca tinha visto. Talvez fossem as músicas do Police, sempre chuvosas e melancólicas. As músicas do Police tinham vindo dos anos 80 e a banda era inglesa.
A Folha de São Paulo também poderia ter vindo dos anos 80. Jornais não são produzidos por pessoas. Jornalistas não existem. Jornais tem vida própria, tem voz própria. Eles sempre dizem as mesmas coisas, entra ano, sai ano.
E nós? Nós somos uma sucessão de dias, alguns bons, outros ruins, mas no fundo nenhum significa nada.
‘’Estou tomado pelo tédio’’, ele pensou. ‘’O tédio traz armadilhas muito perigosas. Talvez eu possa ligar para meus colegas de trabalho e sair para beber, e podemos fingir que estamos nos divertindo’’.
Mas pensou melhor, e achou que poderia entediar os outros com sua falta de motivação. A parte interna dos seus lábios ardia, tinha arrancado deliciosos nacos de carne enquanto filosofava/ melancoliava.
‘’Vou dar uma volta, é melhor’’. Foi ao shopping, que ficava perto de sua casa. A tarde escura como noite, ameaçando chover. As luzes extremamente amarelas, e mentirosas.
As pessoas falando besteiras e usando suas roupas, todas tentando imitar seriados americanos. Mas eram cafonas, extremamente cafonas, as pessoas parecem bonequinhos malfeitos imitando seriados americanos.
Andou por lá por um pouco, olhou os livros. Poderia comprar algo, talvez, para se abstrair, mas não tinha nenhum desejo na verdade.
Saiu da livraria, e sentiu-se cansado. Já tinha feito a sua obrigação, já tinha dado o seu passeio para aproveitar o fim de semana.
‘’Agora é hora de voltar para casa’’, e caminhou com tristeza porque já estava escuro.
Entrou em sua casa e sentou-se no sofá, ligou a TV e só tinha merda.
Como será que as pessoas conseguem fazer a televisão tão podre e caricata do jeito que é? São uns preguiçosos, fazem a coisa do jeito mais fácil possível para não terem que pensar demais.
A chuva começou, e sua lâmpada amarela contrastando com o breu do lado de fora o deixou sozinho e triste.
Lembrou-se de quando era criança e tinha uma bicicleta, e então o mundo parecia mais verde e os pores-do-sol demoravam mais tempo.
Mas agora fazia tanto tempo, que tudo isso nem parecia ter acontecido de verdade. Talvez ele nunca tivesse sido criança, talvez fosse só a imaginação.
Quem sabe ele fosse um andróide cheio de memórias implantadas, como no Blade Runner.
Estava ficando tarde e ele tinha que dormir. A idéia de trabalhar no outro dia era similar à idéia de ir para o inferno. Pessoas com rostos de plástico,frias e superficiais, espetando-o com tridentes. Realizar atividades idiotas em um emprego estúpido, cujos objetivos encerravam-se em si mesmos.
Enquanto dormia, sonhou com a bicicleta e a infância. Seu cabelo balançava enquanto pedalava, o sol de um final de semana eterno sobre sua cabeça, uma grama verde e aconchegante sob as rodas.
E então o despertador tocou, implacável, anunciando mais uma sentença de morte.

1 Comments:

Blogger Thiago said...

Você escreve com um sentimento que me impressiona. "A sobriedade de Machado". E se eu fosse escolher com qual dos textos mais me indentifico seria esse.

Não acho que seja um sentimento extremamente pessoal, muito menos global. Só sei que o mundo se torna um inferno para quem percebe; talvez a maioria esteja envolvidas com a arte, de alguma forma.

Os dois últimos posts ficaram sublimes.

6:20 AM  

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