Sunday, August 19, 2007

A pureza da percepção

Aldous Huxley escreveu um livro chamado The Doors of Perception, que eu espero algum dia poder ler. Nessa obra, Huxley analisa suas experiências com alucinógenos utilizados por xamãs norte-americanos, assim como as influências destes alucinógenos sobre a percepção.
A banda The Doors, do malfadado Jim Morrison, tinha esse nome por causa do livro de Huxley.
Durante muito tempo, mais de um ano agora, eu acreditei que para ser um artista era preciso ter abnegação. Achava que se eu escrevesse e lesse incessantemente, fazendo a maior força possível, poderia me tornar um grande escritor algum dia.
No entanto, eu estive sempre focado na técnica e no esforço, e deixei a percepção em segundo plano.
A percepção não é importante somente para um escritor, mas é essencial para todas as profissões, assim como para tudo o que se faz na vida.
Huxley, Morrison, William Burroughs e tantos outros artistas, tentaram obter a percepção de mundo mais pura possível, e para isso experimentaram drogas.
Picasso, ícone da pintura do século XX, disse uma vez que aos dezesseis anos desenhava como Leonardo da Vinci, e que, depois de velho, tudo o que queria era desenhar como uma criança.
Por que?
Porque as crianças não tem a percepção viciada, e estão menos submetidas aos milhares de códigos e informações, além das pressões, que fazem parte da mente de um adulto.
Charles Sanders Pierce, teórico-mor da Semiótica, argumentava que quanto mais um ser humano envelhece, menos pura torna-se a sua percepção.
Pierce não estava mentindo, mas seu ponto de vista não precisa ser regra. Se tentarmos simplesmente relaxar e observar o mundo, sem clichês, sem pretensões de se tornar um gênio, sem pré-julgamentos, apenas observa-lo como ele é, podemos fazer com que nossa percepção evolua, ao invés de ser oprimida pelo excesso de informação de nossa sociedade. Não que isso seja fácil.
Quando se fala em Literatura Brasileira, grande parte dos escritores mais importantes veio do Nordeste, alguns de cidades muito pequenas.
Parece um paradoxo que uma região tão pobre tenha nos fornecido intelectuais de grande calibre como Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Graciliano Ramos. No entanto, apesar de não ter uma infra-estrutura como a do Sul do Brasil, o Nordeste possui suas bibliotecas e universidades.
Uma pessoa que tenha interesse por livros e que queira ler, pode fazê-lo também naquela região. Mas como as cidades são menores, menos influenciadas pela cultura globalizada, e, portanto, menos sujeitas a inundações de informação, as pessoas que nascem no sertão tendem a adquirir um estilo próprio mais facilmente.
Escritores e intelectuais são admirados, mas não tão endeusados quanto por aqui. Escreve-se mais por prazer, mais por vocação, e menos por ostentação.
A percepção também pode ser notada no esporte. O futebol, quando jogado nas ruas, é alegre e despretensioso.
Mas quando os jogadores tornam-se profissionais, principalmente em grandes times, o futebol, assim como todos os outros esportes, perde muito de sua inocência e passa a ser um negócio.
Muitos jogos ficam truncados, porque a base do negócio é o gol, não importando a diversão ou a criatividade para fazê-lo.
Seja contando histórias, ou desenhando, ou brincando sem compromisso, o prazer de fazer por fazer contribui em muito para aumentar nossa percepção, libertando-a dos clichês e das pressões de seguir padrões pré-definidos.
Obviamente que técnica e conhecimento são muito importantes, e a percepção vem mais facilmente quando associada a estes elementos.
No entanto, não deixa de ser verdade que para fazer qualquer coisa bem-feita, seja nas artes ou nas ciências lógicas, deve se conservar sempre algo da percepção despretensiosa de uma criança.

1 Comments:

Blogger Thiago said...

A coisa toda gira em torno da pressão.

Hoje somos forçados a fazer coisas que não queremos, simplesmente para ter o que comer. Uma coisa social, que cria a pretensão, a vontade de ser alguma coisa, que destrói a percepção.

Está completamente certo.

E os que usaram as drogas também, de certo modo. Experimentei algo semelhante estudando depois de beber, em grande quantidade, é bem mais gostoso, flui mais fácil.

Lógico que não tem como comparar com as drogas deles. Não compensam o preço que cobram – ganham uma percepção momentânea mais aguçada, mas destroem o cérebro.

Michelangelo disse que as perfeições são compostas de insignificâncias, mas que a perfeição está longe de ser insignificante.

Isso me ajudou muito a entender como funciona a arte, de forma geral.

7:33 PM  

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