Wednesday, June 27, 2007

Globalização: Babel Contínua

Jan Grzebski, polonês de 65 anos, acordou no dia dois de junho de dois mil e sete e deparou-se com um mundo totalmente diferente do que conhecia.
Esclareça-se: Ele foi atropelado por um trem em 1988, e ficou em coma durante dezenove anos.
Na época do acidente, a Polônia ainda era um país comunista, alinhado à União Soviética, e o Muro de Berlim dividia a Europa em duas, assinalando os limites da Cortina de Ferro.
Hoje, a Polônia é um país capitalista, que faz parte da União Européia e da OTAN, algo totalmente inimaginável no mundo em que Grzbeski vivia.
No entanto, a mudança que mais chamou a atenção do recém-desperto polonês foi outra: a imensa quantidade de celulares existente no mundo atual.
Quando se fala de computadores, celulares, TV digital, palmtops, estamos falando sobre o que os teóricos chamam de globalização.
Nas últimas décadas, houve um boom de transformações políticas, econômicas, culturais e tecnológicas, que estão transformando o mundo no que o estudioso Marshall Mc Luhan chamou de ‘’Aldeia Global’’.
A tecnologia da informação diminuiu as distâncias, ultrapassou fronteiras e tornou-se uma constante na vida de grande parte dos habitantes do mundo. O planeta está cada vez mais integrado, e de certa forma padronizado.
Pessoas utilizam celulares em lugares distantes como a Polônia, a Nova Zelândia, a África do Sul e o Uruguai; e os excluídos da tecnologia sabem em sua maioria que as inovações existem, e gostariam de poder usufruir delas.
O mundo também se encontra integrado economicamente, politicamente e culturalmente.
Uma oscilação no poderoso mercado econômico norte-americano pode afetar o Sri Lanka; blocos econômicos e políticos surgem por toda a parte (como o maior exemplo, temos a própria União Européia, onde Grzebski descobriu que vive); as tendências de moda e cultura são universalizadas; falar uma segunda língua tornou-se fundamental para milhões de profissionais.
No entanto, essa influência não se dá de maneira igual entre todos os países do globo.
É evidente que os chamados países de Primeiro Mundo, centros financeiros, políticos, e tecnológicos, de certa forma impõe sua cultura ao resto da Terra.
Mesmo entre as nações ‘’desenvolvidas’’, no entanto, há aquelas que influenciam mais o panorama mundial do que as outras.
Tome-se como exemplo a chamada invasão japonesa, ocorrida principalmente na esfera da cultura pop (histórias em quadrinhos, videogames e desenhos animados).
Até a metade da década de 1990, era raro ver desenhos japoneses dominando a grade de programação de uma emissora aberta brasileira (apesar de que já existiam vários enlatados espalhados pelas redes). Hoje, a maioria dos cartoons exibidos nos programas matinais da Rede Globo, por exemplo, veio da Terra do Sol Nascente.
Criaram-se fenômenos culturais como o cosplay, reuniões de aficionados por quadrinhos e desenhos animados japoneses, que se vestem e realizam performances, representando personagens ficcionais.
Não que este fenômeno seja novo. Já nos anos 1960 e 1970, o Brasil tinha pessoas que se vestiam como os Beatles ou Elvis Presley, mostrando que a padronização dos gostos culturais vem de muitos anos atrás.
Interessante notar que a cultura pop japonesa começou a ganhar mais espaço no resto do mundo durante o final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, simultaneamente à recessão do Estado de Bem-Estar social norte-americano, ao mesmo tempo em que a economia nipônica crescia a todo vapor.
Quanto mais influência econômica e política um país tem, mais sua cultura influenciará o mundo globalizado.
Porém, apesar de seu poder econômico, o Japão também é influenciado culturalmente pela Europa e pelos Estados Unidos.
Andrij Sonoda Pryjma, brasileiro de vinte anos de idade e descendente de japoneses, foi tentar a sorte do outro lado do mundo.
Notou, com espanto, que até as sociedades tradicionais do Oriente sofrem com a influência cultural das superpotências.
‘’ Tem várias palavras da língua inglesa que foram incorporadas ao idioma japonês, como ‘hamburger’, que se tornou hambaaga e queijo, que eles chamam de chizu.’’
Andrij ressalta que os japoneses mais velhos são tradicionalistas, enquanto que os jovens são mais influenciados pela cultura de massa norte-americana.
‘’Os velhos, da época da Segunda Guerra, tem uns que se recusam até mesmo a escrever com kanji (escrita tradicional de caracteres) porque esse sistema veio da China. Já os novos são mais abertos...na moda, nas músicas, que tem muitas expressões em inglês. Tem até uns extremos, as gyaru (corruptela de girl), que são umas meninas que tingem os cabelos de loiro e arredondam os olhos.’’
No entanto, o dekassegui afirma que a influência cultural sofrida pelo Japão é diferente da que ocorre no Brasil, devido à forte tradição japonesa: ‘’Apesar de ter bastante gente que ‘venera’ os Estados Unidos, também tem até um número razoável de tradicionalistas. Os nomes das pessoas, por exemplo, são bem tradicionais. Diferente do Brasil, onde tem pessoas chamadas ‘Michael’, ‘Wellington’.’’
O Brasil, apesar de ter certa influência japonesa, é um país que sofre principalmente com a influência norte-americana. Desde as expressões como backup e fastfood (poderia citar milhares de outras) até a moda e os produtos consumidos, especialmente midiáticos, o país sofre uma verdadeira invasão anglo-saxônica.
Daí podemos concluir que: 1- Os países desenvolvidos tem uma grande influência sobre a cultura do resto do mundo; 2- Os países desenvolvidos influenciam a cultura uns dos outros; 3- A recepção dos diversos países do mundo às influências da cultura de massa difere, assim como suas tradições e as suas características sócio-econômicas.
Do ponto de vista lingüístico, a influência americana vai além do Inglês. Pode-se dizer que o grande aumento do número de falantes de espanhol no mundo se deve aos Estados Unidos.
O espanhol é a segunda língua mais falada nos EUA, por causa da intensa imigração de latino-americanos (especialmente mexicanos e porto-riquenhos). A imigração latina no país cresceu vertiginosamente nas últimas décadas: de 1950 para cá, o número de hispano-americanos vivendo nos Estados Unidos aumentou de 4 milhões para 27 milhões.
Conseqüentemente, como a cultura dos Estados Unidos passou a ter mais influência hispânica, o resto do mundo passou a dar mais valor ao idioma de Cervantes.
Não há outra razão que explicasse o aumento do número de falantes que não a latinização dos Estados Unidos. A Espanha e suas ex-colônias não tem uma representatividade econômico-política tão grande: Alemanha e França são mais poderosas do que a nação ibérica, e o número de falantes de suas línguas não têm crescido em grande escala. Apesar de já ser uma das línguas mais faladas do mundo, o espanhol perde, por exemplo, para o Hindi, que assim como o alemão e o francês não cresce na proporção daquele.
Filipina Golebiowska, polonesa de dezoito anos, estuda espanhol desde o ano 2000, e fala o idioma fluentemente. Filipina nota que o espanhol está cada vez mais popular em seu país: ‘’A música latina nunca foi tão popular, e muitas escolas de línguas abriram cursos de espanhol’’.
Katharina Vogl, vinte anos de idade, mora na Alemanha. Ela acredita que a língua espanhola superou o francês em número de falantes no país, e relata que vivenciou parte deste processo. ‘’Quando eu era criança, o francês era a segunda língua mais falada na Alemanha. Hoje em dia, depois do Inglês, o Espanhol é a segunda língua ‘comercial’ mais falada’’.
Perguntada se a cultura de massa americana influencia a Alemanha, ela concorda: ‘’Meu irmão, por exemplo, ouve rap o dia inteiro, e usa as gírias. Acho que a MTV tem grande influência sobre as pessoas daqui.’’
Para Katharina, a Alemanha tem certa resistência à ‘’invasão’’, que se dá quando as pessoas crescem: ‘’Quando ficam mais velhas, as pessoas passam a dar mais valor à cultura alemã. Claro que mantêm ainda a influência americana, mas ela tende a diminuir’’.
Carlos Augusto da Silva, arquiteto brasileiro de 45 anos, acredita que a classe média brasileira, que tem mais acesso à mídia e à informação, tem menor poder de resistência às influências externas do que os outros segmentos sociais do país: ‘’Nossa classe média não dá muito valor à cultura local. Prova disso são esses condomínios de ‘luxo’, imitações de modelos estrangeiros até no nome’’.
Que a influência dos países dominantes é um fato, isso não se discute.
No entanto, tal influência não é nova. O Império Romano, por exemplo, foi o responsável pela difusão do latim, que gerou línguas como o italiano, português, espanhol e francês.
A diferença é que hoje a invasão tem um caráter mais comercial, e é acelerada pela comunicação de massa.
Sempre que um grande império ascende, ele espalha sua influência pela Terra, de maneira diferente em cada lugar. Criam-se civilizações padronizadas, mas ao mesmo tempo distintas.
É como se o mundo fosse composto por diversas babéis, sendo constantemente construídas pela padronização, e destruídas pela diferenciação na recepção das influências, num processo contínuo e veloz.

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