Thursday, February 01, 2007

Mário

O despertador tocou às 7:15, salvando Mário de sua angústia. Ele acordou de sopetão, respirando avidamente e suando frio. Desligou o despertador, levantou-se, foi ao banheiro para urinar e depois foi à sala, onde curvou-se para olhar o aquário que ficava sobre uma cômoda.
''Sabe, Moby Dick''- disse ele ao pequeno peixe, que ficava nadando pacientemente de um lado para outro do aquário- ''Andei tendo aquele sonho de novo...em que minha vida era um videogame! Isso já está me incomodando...os remédios que o psicólogo receitou já não fazem mais efeito''. E Moby Dick continuava nadando de um lado para o outro do aquário, e Mário se cansou de olhar para ele.

Abriu a cortina da sala e viu o dirigível enorme passando ao fundo da cidade. Aquilo o desagradou. Era um belo dirigível, já o tinha visto outras vezes. Mas depois de um pesadelo como aqueles, um dirigível tão colorido flutuando em um céu azul de brigadeiro lembrava muito a um cenário de videogame. E Mário começou a ter suas descofianças de novo.

Olhou-se no espelho. ''Não tenho um físico de herói de videogame. Sou magricela...rosto quadrado demais, óculos fundo de garrafa...''. Pensou no seu trabalho: engenheiro. ''Por que alguém faria um videogame sobre um engenheiro? Ainda mais de uma companhia medíocre como a minha!''. Mas não estava de todo modo convencido. ''Sempre me disseram que eu era órfão! Talvez eu não tenha pais porque sou um personagem de videogame!''.

Ficou um tempo a pensar sobre aquilo, mas como sempre, não chegou a uma resposta concreta.
Já eram 7:30, e ele tinha que sair para ir trabalhar em dez minutos. Mudou de roupa, desceu para o estacionamento do prédio e pegou o seu carro, uma bonita BMW preta.

Estava com azar, pois o trajeto por onde passava para ir à firma estava obstruído por um engarrafamento de 10 km. ''Merda'', pensou, olhando para seu relógio de pulso, ''Vou ter que passar pela Favela da Lata se quiser chegar na hora''. Guiou a BMW até uma rua lateral e entrou na imensa favela. Já tinha feito este trajeto algumas outras vezes, mas sempre ficava nervoso.

Para se acalmar, começou a pensar repetidamente: ''Estou em um videogame onde tudo é cenário, estou em um videogame onde tudo é cenário''.
Estava passando calmamente pela favela, feliz por estar em um videogame, quando viu que a ruela da saída estava bloqueada por troncos de árvore. Mário freiou bruscamente, e resolveu dar a volta e pegar o engarrafamento. ''Antes vivo e desempregado do que morto e honrado''.
No que olhou pelo retrovisor três homens apontando fuzis para o carro. Ficou parado, e os homens entraram no carro gritando ''Perdeu, mané, perdeu! Toca essa banheira daqui que a gente vai fazer uma visitinha no caixa eletrônico!''.
Mário estava apavorado, imovél, e fazia exatamente o que os homens mandavam, murmurando ''É tudo um videogame, É tudo um videogame!''. ''Videogame, mané?'' disse um dos bandidos. ''Videogame é o que vou comprar com a tua grana!''.

Estavam quase chegando ao caixa quando cruzaram com uma viatura da Polícia. Os bandidos se assustaram e começaram a atirar, e Mário parou o carro, apavorado. ''Toca com essa merda daqui, filha da p****! Toca senão eu te estouro''.
Mário gritava ''É TUDO UM VIDEOGAME, É TUDO UM VIODEGAME! EU NÃO SOU HERÓI NEM VILÃO! EU NÃO SOU HERÓI NEM VILÃO.''
Os policiais cercaram o carro e começaram a alvejar os bandidos. Dois deles morreram, mas um resistia. Até que esse último parou para recarregar a arma e levou um tiro no estômago. Antes de morrer, acertou um tiro nas costas de Mário, e disse: ''Você vai comigo, lazarento!''.

Mário estava sangrando muito, caído no banco do carro. '' ...é...tudo um videogame...eu não posso morrer assim...eu nunca fiz nada de heróico nem de ruim...''. Estribuchou um pouco, e tudo ficou muito escuro.

O despertador tocou às 7:15, salvando Mário de sua angústia. Ele acordou de sopetão, respirando avidamente e suando frio. Desligou o despertador, levantou-se, foi ao banheiro para urinar e depois foi à sala, onde curvou-se para olhar o aquário que ficava sobre uma cômoda.

1 Comments:

Blogger Thiago said...

O nome do personagem e o "reset" que acontece depois dele morrer foram as coisas que mais gostei.
Daria um bom quadrinho.

6:59 AM  

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