Wednesday, March 28, 2007

Ausência

A ausência é uma coisa tão estranha. É como a sala bem asseada da casa de uma velha. Móveis envernizados, brilhantes. Fotos de pessoas em porta-retratos. A sala vazia. Um relógio fazendo tic-tac. Tic-tac. E a luz do pôr-do-sol.
Se eu olhar pela janela, posso ver o meu fantasma. Um rapaz de farda completa, andando em uma tarde ensolarada de sábado para o Tiro de Guerra. Naquele dia, o fantasma era o eu de agora. O fantasma invisível que observa pela janela.
Enquanto o eu de agora sou um fantasma do passado para o eu do futuro, estou sendo observado pelo meu próprio fantasma, que sou o eu de amanhã, o fantasma não nascido.
Esta cidade está cheia de meus fantasmas. De todas as idades, fazendo todas as coisas que fiz em todos os lugares por onde passei.
Todos os dias eu morri, e todos os dias um novo eu nasceu. E não deixo de ser um morto, assim como meu passado não deixa de estar vivo.
Estou na sala da velha. O relógio faz tic-tac, tic-tac. Sou um retrato da minha própria ausência.

3 Comments:

Blogger Thiago said...

Muito bom, cara.
Me lembrou o capítulo "Relojoeiro" do Wathchmen. Uma obra que vale a pena ler antes da morte.

Um dos trechos da HQ se encaixa perfeitamente no seu texto:

"Talvez o mundo não seja feito. Talvez nada seja feito. Talvez simplesmente tenha estado sempre lá. Um relógio sem relojoeiro".

Manda bala.
Abraço!

2:06 PM  
Blogger # said...

Isso emociona (sem sarcasmo).

1:04 PM  
Blogger # said...

...talvez haja um tantinho "assim" de sarcasmo inevitável.

1:05 PM  

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