Friday, August 31, 2007

Coisa de Russo

Armin Karamizovich chegou ao trabalho na sexta-feira e encontrou um pacote marrom sobre sua mesa. ‘’Merda’’, pressentiu, ‘’Aí vem trabalho duro’’.
No envelope estava escrito, em caracteres cirílicos, o endereço da base central da KGB, em Moscou. Isto queria dizer que a missão ali designada tinha vindo diretamente do alto comando da organização, e provavelmente era algo que ele não seria capaz de cumprir.
Armin era um parasita do Estado soviético. Tinha entrado na KGB por ser primo de um membro do alto escalão do Partido Comunista, jamais tendo tido qualquer vocação para espião.
Geralmente, ficava com o trabalho burocrático de uma repartição da agência esquecida na Sibéria, o que não era muita coisa.
Mas eis que, naquela nublada sexta-feira de 1985, veio uma missão de espionagem para ele. Um inimigo político? Uma secretária descuidada? Um dirigente irresponsável?
Quem teria lhe passado a missão, ele não tinha idéia, mas aquilo mexeu com seus brios.
‘’Vou mostrar para eles que não sou um imprestável’’, pensou Armin, enquanto abria o envelope.
O interior do pacote continha apenas uma carta, portadora da seguinte mensagem: ‘’ O cientista nuclear Pavel Kurilovich, dissidente do regime, deixou o território da URSS furtivamente há duas semanas. Informações indicam apenas que ele foi para um lugar de sigla ‘UFF’, de onde envia mensagens de caráter secreto. Cumpre capturá-lo com urgência e trazê-lo para Moscou ‘’.
‘’Mas que falta de informação... ’’, Armin resmungou. ‘’Se eles não sabem o que é ‘UFF’, como diabos eu vou saber?’’.
Porém, uma vez mais o orgulho do burocrata falou mais alto. ‘’Vou descobrir isso. Vou resolver o caso de uma maneira sensacional, e ninguém mais cuspirá na minha cara porque eu trabalho aqui de favor’’.
Então, pegou um papel e uma caneta, e começou a pensar em possíveis significados para a misteriosa sigla de três letras.
‘’Uzbekistan Free by Force. Não, ele deixou o território da URSS. Além do mais, eles não falam inglês no Usbequistão’’.
‘’Quem sabe americanos, então? Useful Fathers of Freedom, United French Fries. Droga… nada faz sentido’’.
Armin passou horas inventando milhares de significados para a sigla, até que achou um resultado que lhe parecia plausível. ‘’ Union Financière de France! Nenhum lugar pode ser mais capitalista do que um banco! É lá que eles dão asilo ao traidor’’.
O James Bond russo tratou de providenciar imediatamente uma viagem para a França, onde poderia seguir a pista.
Dois dias depois, Armin estava em frente à agência-sede do UFF, em Paris, examinando a construção.
‘’Parece um banco normal, mas eles devem ter um porão onde mantém o Kurilovich escondido’’.
Entrou no edifício e passou a caminhar lá dentro, tentando encontrar alguma anormalidade. Logo veio uma atendente, abordando-o: ‘’Precisa de ajuda, monsieur?’’
‘’Não, estou só dando uma passeada. O banco é muito bonito’’.
‘’Ótimo, então. Qualquer coisa, avise’’.
O espião andou horas pelo estabelecimento, mas não viu nada de estranho. ‘’Chega por hoje. Vou voltar para o hotel, e depois prossigo com a investigação’’.
Saiu do banco e andava pelas ruas, distraído. Estava abalado. ‘’Parece que cheguei longe demais, e, o pior, com uma pista falsa’’.
Enquanto pensava, levou um esbarrão de um homem que andava muito depressa. O homem usava uma jaqueta, em cujas costas estavam escritas as letras ‘’UFF’’. Karamizovich, que era supersticioso, viu aquilo como um sinal claro. Seguiu o suspeito, que logo entrou num beco escuro.
‘’Você’’, gritou Karamizovich, ‘’o que está fazendo nesse beco?’’
O homem respondeu, revelando pela voz ser um jovem. ‘’Não é da sua conta!’’
‘’Não é da minha conta?’’, o espião tirou um revólver da jaqueta, ‘’Fale ou leva bala!’’
O jovem se abalou, e sua voz saiu trêmula. ‘’Calma... Eu estava apertado e vim para o beco, só isso! Mijar é humano’’
O espião percebeu que o jovem falava a verdade. Resolveu prosseguir com seu interrogatório.
‘’De onde você é? O que significa UFF?’’
‘’Eu sou brasileiro, estou fazendo intercâmbio. UFF significa ‘Universidade Federal Fluminense’, é onde eu estudo’’.
Uma universidade! Os olhos de Armin se arregalaram. Quantos intelectuais dissidentes não tinham ido para universidades? Sim, sim, os países capitalistas certamente ofereciam vagas atrativas para cientistas soviéticos asilados, fosse no governo ou nos setores de pesquisa e ensino.
‘’Vá embora daqui’’, gritou para o garoto. ‘’E vê se não fica aí mijando pelas ruas’’.
Armin voltou para a União Soviética e apresentou o relatório de suas investigações. Seus superiores consideraram os métodos por ele usados risíveis, mas a sua suspeita tinha uma fundamentação forte. Ganhou uma passagem para o Rio de Janeiro, onde deveria encontrar e capturar Pavel Kurilovich.
Duas semanas depois, Armin Karamizovich entrou na Universidade Federal Fluminense com uma arma atada à canela, por baixo da calça.
Aquele homem loiro, baixo e gordo, com cara de gringo, chamou a atenção dos funcionários.
‘’Posso ajudar, mister?’’, disse Zé Moreira, um esforçado zelador que conhecia algumas palavras em inglês.
‘’Na verdade, pode’’, disse Armin. ‘’Eu sou russo, estou procurando meu primo. Disseram-me que ele trabalha nessa universidade. Você conhece?’’
‘’Russo, é?’’, disse o solícito Zé. ‘’O professor Leonid Berovich é o único russo daqui. Vai lá no refeitório, acho que ele está tomando um café’’
Armin adentrou o refeitório da UFF, seu coração batendo forte. Estava prestes a capturar Pavel Kurilovich e mostrar seu valor como espião.
No refeitório, um homem alto e magro, de ar grave, tomava café. Usava óculos grossos, e tinha um livro de Física Nuclear embaixo do braço. Tipo físico eslavo.
Karamizovich olhou os arredores. Só havia uma pessoa além deles dois no refeitório. Um velho cozinheiro, que recheava um frango com farofa caprichosamente.
‘’Tovarisch’’, disse Armin ao homem alto, em voz baixa, ‘’É hora de voltar à Rússia’’.
‘’Deve estar havendo algum engano’’, respondeu o professor.
‘’Não há engano nenhum. Venha comigo, não quero violência’’.
Próximo dali, o velho recheava o frango sem dar atenção aos homens, que falavam russo.
Armin saiu com Leonid, discretamente. Ah, mas que surpresa eles teriam no Kremlin!
O velho cozinheiro ergueu seus grandes olhos azuis, quando eles saíram, e sorriu discretamente.
Logo depois, chegou Zé Moreira, o zelador, e pediu um café. ‘’Cê viu que bonito, seu Paul? Um parente veio da Rússia só pra procurar o outro aqui na Federal. Cês tem disso lá na Alemanha?’’
‘’Não’’, disse Paul ‘’Isso é coisa de russo’’.
E enquanto Zé voltava ao trabalho, colocou um cartão preenchido com caracteres cirílicos dentro do frango que recheava com tanto empenho.

Monday, August 20, 2007

Uma rivalidade transcendental

Desde os anos 60, o universo dos quadrinhos vem sendo dominado por duas gigantes norte-americanas do mercado editorial: a Marvel Comics e a DC Comics.
Até 1962, durante a chamada Era de Prata dos quadrinhos, a DC Comics era imbatível, contando com pesos pesados do porte de Batman, Superman e Flash. No entanto, a reestruturação da Marvel (que anteriormente se chamava Timely Comics e era uma editora obscura) por Stan Lee e Jack Kirby mudou os rumos dos comics, com a criação de novos super-heróis como o Homem-Aranha, X-men e Surfista Prateado, que desafiaram o reinado da DC.
Todavia, se por um lado as duas editoras se empenhavam em tentar superar uma a outra no mercado editorial, os filmes que eram feitos sobre seus super-heróis não condiziam com a qualidade das revistas.
No fim dos anos 90, porém, a história começou a mudar. A Marvel, junto com a New Line Cinema, produziu a versão cinematográfica de seu personagem Blade, o Caça-Vampiros, e fez um filme muito bom, se consideradas produções horrendas como O retorno do Incrível Hulk (1988) e Capitão América (1990).
Entre 1998 e 2004, os personagens da editora reinaram absolutos nos cinemas: X-men, Homem-Aranha, Hulk e outros heróis de calibre ganharam filmes bem produzidos, fiéis aos quadrinhos e com efeitos especiais primorosos.
Contudo, entre 2005 e 2006 a DC, que estava atrasada na corrida cinematográfica, produziu junto com a Warner Bros os filmes Batman Begins e Superman Returns, que buscaram um aprofundamento maior do lado psicológico dos personagens, não deixando, apesar disso, de contar com um vasto orçamento para os efeitos especiais.
Isso levou a rivalidade das editoras também para os cinemas, e apesar de alguns filmes medíocres da Marvel em 2007 como Motoqueiro Fantasma e Quarteto Fantástico 2, o ano de 2008 promete um duelo de pesos pesados entre Batman: O Cavaleiro das Trevas (seqüência de Batman Begins) e Homem de Ferro, representante do panteão da Marvel.
Com este último, a Marvel pretende seguir o exemplo da DC em Batman Begins e investir em um roteiro mais aprofundado e atores famosos ( Robert Downey Junior e Gwyneth Paltrow). A DC quer manter o embalo de Batman Begins e realizar um filme ainda mais bem-sucedido que o primeiro, oferecendo como vilão o Coringa, principal inimigo do homem-morcego.
Neste duelo de gigantes, porém, o vencedor já está definido com antecipação: Os fãs, que agora podem acompanhar a evolução dos personagens também nas telonas.

Sunday, August 19, 2007

O tapete

- Comprei um tapete de russo...
- Hahahaha...você quer dizer ''de urso''?
-Não, de russo mesmo, original da Sibéria.
- ...

A pureza da percepção

Aldous Huxley escreveu um livro chamado The Doors of Perception, que eu espero algum dia poder ler. Nessa obra, Huxley analisa suas experiências com alucinógenos utilizados por xamãs norte-americanos, assim como as influências destes alucinógenos sobre a percepção.
A banda The Doors, do malfadado Jim Morrison, tinha esse nome por causa do livro de Huxley.
Durante muito tempo, mais de um ano agora, eu acreditei que para ser um artista era preciso ter abnegação. Achava que se eu escrevesse e lesse incessantemente, fazendo a maior força possível, poderia me tornar um grande escritor algum dia.
No entanto, eu estive sempre focado na técnica e no esforço, e deixei a percepção em segundo plano.
A percepção não é importante somente para um escritor, mas é essencial para todas as profissões, assim como para tudo o que se faz na vida.
Huxley, Morrison, William Burroughs e tantos outros artistas, tentaram obter a percepção de mundo mais pura possível, e para isso experimentaram drogas.
Picasso, ícone da pintura do século XX, disse uma vez que aos dezesseis anos desenhava como Leonardo da Vinci, e que, depois de velho, tudo o que queria era desenhar como uma criança.
Por que?
Porque as crianças não tem a percepção viciada, e estão menos submetidas aos milhares de códigos e informações, além das pressões, que fazem parte da mente de um adulto.
Charles Sanders Pierce, teórico-mor da Semiótica, argumentava que quanto mais um ser humano envelhece, menos pura torna-se a sua percepção.
Pierce não estava mentindo, mas seu ponto de vista não precisa ser regra. Se tentarmos simplesmente relaxar e observar o mundo, sem clichês, sem pretensões de se tornar um gênio, sem pré-julgamentos, apenas observa-lo como ele é, podemos fazer com que nossa percepção evolua, ao invés de ser oprimida pelo excesso de informação de nossa sociedade. Não que isso seja fácil.
Quando se fala em Literatura Brasileira, grande parte dos escritores mais importantes veio do Nordeste, alguns de cidades muito pequenas.
Parece um paradoxo que uma região tão pobre tenha nos fornecido intelectuais de grande calibre como Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Graciliano Ramos. No entanto, apesar de não ter uma infra-estrutura como a do Sul do Brasil, o Nordeste possui suas bibliotecas e universidades.
Uma pessoa que tenha interesse por livros e que queira ler, pode fazê-lo também naquela região. Mas como as cidades são menores, menos influenciadas pela cultura globalizada, e, portanto, menos sujeitas a inundações de informação, as pessoas que nascem no sertão tendem a adquirir um estilo próprio mais facilmente.
Escritores e intelectuais são admirados, mas não tão endeusados quanto por aqui. Escreve-se mais por prazer, mais por vocação, e menos por ostentação.
A percepção também pode ser notada no esporte. O futebol, quando jogado nas ruas, é alegre e despretensioso.
Mas quando os jogadores tornam-se profissionais, principalmente em grandes times, o futebol, assim como todos os outros esportes, perde muito de sua inocência e passa a ser um negócio.
Muitos jogos ficam truncados, porque a base do negócio é o gol, não importando a diversão ou a criatividade para fazê-lo.
Seja contando histórias, ou desenhando, ou brincando sem compromisso, o prazer de fazer por fazer contribui em muito para aumentar nossa percepção, libertando-a dos clichês e das pressões de seguir padrões pré-definidos.
Obviamente que técnica e conhecimento são muito importantes, e a percepção vem mais facilmente quando associada a estes elementos.
No entanto, não deixa de ser verdade que para fazer qualquer coisa bem-feita, seja nas artes ou nas ciências lógicas, deve se conservar sempre algo da percepção despretensiosa de uma criança.

Sunday, August 12, 2007

Tempus edax rerum

Em uma sala cheia de fotos
de parentes de amigos mortos
de relógios de madeira
de velas de castiçais
a velha tece seu crochê
esperando o sino das seis

Domingo

A brisa
O céu azul
O sol
e silêncio de vila
bem fundo
no coração
uma agulhinha
de melancolia

Thursday, August 09, 2007

Carne de Pescoço

Eu sou carne de pescoço
Pra tudo eu dou um jeito
Não entrego a rapadura
Nem se a água bate no peito

Eu sou carne de pescoço
Eu gosto é de dificuldade
O fácil não tem graça
O todo não é metade

Eu sou carne de pescoço
Não tem frescura,não
Em vez de sonhar com céu
Eu vivo é aqui no chão

Thursday, August 02, 2007

Perdido no deserto do real
Oh, god, I need a drink
De que adianta procurar respostas
Se não há perguntas?

Wednesday, August 01, 2007

Serafim

Luciano Pereira, 23 anos, cansou de se ralar no Brasil e foi para a França sozinho, tentar a sorte na vida. Era 1995. Luciano não era um homem qualificado, ou que tivesse muitas ambições,além disso, estava ilegalmente no país, então contentou-se com um serviço de garçom em um restaurante parisiense meio caído.
Contudo, apesar da simplicidade de seu caráter e de seus planos, o jovem tinha certos traços de personalidade.
Assim, quando conheceu um traficante de animais francês, resolveu comprar um filhote de papagaio, pois sentia falta da língua portuguesa, uma vez que seus colegas de trabalho eram praticamente todos marroquinos ou turcos.
Luciano chamou o papagaio de Serafim, e desde cedo fez o possível para que o animal aprendesse seu idioma pátrio.
Certo dia, no entanto, Serafim revelou ter aprendido talvez mais do que seu dono gostaria, o que Luciano percebeu ao travarem o seguinte diálogo:

''Louro quer biscoito?''
''Não''
''Louro quer amendoim?''
''Não''
''Louro quer passa?''
''Não''
''Mas Louro quer o que, então?''
''Quero dinheiro, pô!'', gritou o papagaio com sua voz estridente.

Aquilo inicialmente terrificou Luciano, mas logo ele percebeu que a habilidade fenomenal do pássaro com as palavras poderia render a seu dono muito dinheiro. ''Que bicho safado! Cheguei até a pensar que ele soubesse o que estava falando. Mas o danado vai dar dinheiro é pra mim''

Assim, Luciano passou meses ensinando Serafim a falar francês. Como o papagaio era inteligente, aprendeu rápido, e logo foram para um show de calouros de uma pequena estação de TV regional, o ''Croissant s'il vous plaît''.

O apresentador do show, Sebastien Froufrou, assim chamou a principal atração do dia:

''Vocês já devem ter visto muitos papagaios, mas este certamente deveria ganhar o Nobel dos pássaros. Vem aí...Serafim, o papagaio gênio!''

Entraram Luciano, com um terno de lantejoulas, e Serafim, em cima de um poleiro gigantesco.

''Serafim'', disse Luciano, ''Você prefere a Madonna ou o Michael Jackson?''

'' A Madonna! A Madonna!'', gritou Serafim.

E antes que alguém pudesse esboçar qualquer reação, acrescentou: ''...Pelada''

A platéia aplaudiu entusiasticamente, e risos histéricos infestaram o ambiente. Vovós taparam os ouvidos de seus netinhos, tiozões cuspiram pedaços de frango em sua alegria, e Luciano ficou preocupado, porque não tinham ensaiado aquilo.

''Não, Serafim...Você prefere a música da Madonna ou a do Michael Jackson?''
''Nenhuma, eu gosto de Händel''

Aquilo a platéia não entendeu muito bem, mas sem problemas, o papagaio foi um sucesso pelo resto do programa.

Nas semanas seguintes, Luciano e Serafim apareceram em todos os programas de calouros mais importantes da França. O jovem largou seu emprego de garçom, e passou a trabalhar como ''empresário'' de seu papagaio.

O dinheiro estava vindo, e não havia do que reclamar. Contudo, na véspera da ida da ''ave mais inteligente da França'' ao programa de TV mais importante do país, o ''Abajour mon petit'', empresário e artista tiveram uma discussão:

'Louro quer biscoito?''
''Não''
''Uva-passa?''
''Não''
''Caviar?''
''Não''
''Escargot?''
''Não''
''Louro quer o que, então?''
''Quero meus royalties, pô!!!''

Luciano nunca havia pensado que seu papagaio desse algum valor para o dinheiro. Mas tudo bem, ele dependia da ave e não podia deixar que se rebelasse, então assinaram um contrato.

Serafim foi um estouro no ''Abajour'', assim como em todas as propagandas e os demais programas dos quais participou. Ambos homem e animal tornaram-se milionários.

Certo dia, porém, Serafim chamou seu dono para um conversa.

''Luciano, eu vou parar''
''O que?''
''Vou parar com essas coisas de tv, rádio, publicidade''
''Mas por que?''
''É melhor parar enquanto estou no auge, enquanto as pessoas se lembram de mim''
''Mas...você não pode, a gente tá ganhando dinheiro pra caramba!''
''Já ganhei o quanto eu queria, e você também não está mal de vida. Invista em outros talentos, ou poupe. Quero seguir um rumo diferente''

Luciano teve que aceitar, apesar da tristeza por estar perdendo um grande filão de ouro.

Serafim retirou-se para sua casa de campo em Montmartre, onde passou a dedicar-se à apicultura e à leitura, principalmente de Literatura, Filosofia e Política.

Luciano comprou um restaurante, e contratou vários marroquinos e turcos para tocá-lo, conseguindo certa prosperidade. Muitos anos depois,porém, estava assistindo TV quando reviu Serafim.

O papagaio estava em um programa de debates, demolindo a opinião de um renomado ornitólogo sobre a capacidade cognitiva das aves.

A presença de Serafim em programas de debates tornou-se uma constante, e ele deixou sem palavras teóricos de peso como Chomsky e Habermas. Mas depois dessa preparação, o papagaio largou também os debates, e passou a seguir o seu projeto maior: A luta pela igualdade entre homens e papagaios.

Serafim realizou um discurso em Paris, e a ''Marcha dos 400 papagaios'' em Washington.

Seus projetos estavam indo de vento em popa, mas antes que pudessem alcançar a projeção desejada, Serafim foi morto com uma estilingada, por um moleque não identificado, em Nova York.

Dizem que foi a CIA que o matou, e há até um dossiê sobre isso.

Não irei entrar no mérito da questão, porém. Só a trajetória fascinante deste papagaio já é o suficiente.