Tuesday, January 30, 2007

Mundo

Às vezes eu sinto, às vezes eu sei
E tudo é tão grande
E eu sou parte de tudo
E tudo é tão pequeno
E eu sou o centro de tudo

Às vezes eu sinto, às vezes eu sei
Quero explodir, quero voar,
Quero saltar, quero amar

E tudo é tão lindo
E tudo é tão grande
E eu sou uma célula
E eu sou um gigante

E tudo flutua
E tudo amanhece
E sou uma música

Wednesday, January 24, 2007

Orfeu

Houve um homem, um semideus
Que tocava a lira como ninguém
O seu nome era Orfeu
Canções belas como a rosa, negras como o Além
Orfeu era conhecido
Até nos confins da Terra
O seu nome era honrado
Nas festas e na guerra
Foi então que ele conheceu
A mais bela mulher já criada
Para Orfeu era mais perfeita
Que qualquer canção já tocada
Orfeu amava Euridice
E Euridice amava Orfeu
E o que poderia ser mais perfeito?
Cada um com o que era seu
Mas os deuses têm inveja
Se ressentem com a felicidade
E a morte apanhou Euridice
Ainda em tenra idade
Orfeu ficou desolado
Não queria acreditar
Foi então que decidiu
Ao Além iria viajar
Orfeu se encontrou com as bestas
E tocou a lira com o coração
E Hades, rei do inferno,
Lhe daria Euridice com uma condição
Que Orfeu caminhasse pelo Inferno
Mas nunca olhasse para trás
E sua amada voltaria para ele
Sem quaisquer lembranças más
E assim fez Orfeu
Até quase o fim do caminho
Quando não pôde resistir
Olhou para trás e estava sozinho
Orfeu perdeu Euridice
Por toda a eternidade
Estavam mortas sua amada,
Sua lira e felicidade

Monday, January 22, 2007

Jornal

Londrina, Paraná.22 de Janeiro de 2007. 15:35 da tarde, de acordo com o Greenwich Meridian Time. Estou a aproximadamente 23,5 graus de latitude Sul e 51 graus de longitude Oeste. O que estará acontecendo no mundo? A janela não diz muito, nem os jornais.
Penso em um lugar...que tal o Iraque? Violento, não? Mas não quero pensar em homens-bomba ou tiros sendo trocados. Nesta hora deve haver algum soldado de guarda em algum quartel americano, de saco cheio por estar de plantão, quem sabe está pensando em algum rock de seu país? E nos Estados Unidos, onde está no começo da tarde, deve haver algum soldado que lutou na Segunda Guerra Mundial, e que agora é um velho homem, cuidando calmamente de seu jardim. Mas basta de soldados...
Vamos para a França, onde uma menina de 13 anos está fazendo sua lição de casa, e são 19 horas da noite. Ela está preocupada, porque amanhã tem prova de matemática. Quanta ansiedade, mas ela se preparou, e tem tudo para ir bem.
Na Espanha, dois jovens estão bebendo e falando sobre futebol. Tiraram a sorte grande, amanhã é feriado e a fábrica não trabalha.
Na Nova Zelândia, alguém deve estar acordando de má vontade. ''Droga! tenho que trabalhar''. Olhos vermelhos e cabelo despenteado.
No Brasil, alguém posta sobre o que estaria acontecendo no mundo. São 15:48 da tarde. Horário GMT. Tenha um bom dia, e até amanhã. Fique agora com a nossa próxima atração.

Thursday, January 11, 2007

Dois jovens sentados

Dois jovens sentados à mesa da cozinha, os dois são irmãos. O mais velho foi expulso do Exército, o segundo está servindo o Exército. Chega uma tia idosa e pergunta: ''Mas e como vai o Exército?''. ''Ah, não tão ruim quanto dizem...'',responde o rapaz. A mulher gosta da resposta: ''Você tem firmeza, rapaz! É um homem de verdade...mas e esse aí? esse aí não é homem de verdade''. Os dois ficam calados, meio desconcertados. A avó escutou tudo e fala: ''Mas lógico que é um homem de verdade! Você tem todo o equipamento, não tem? Mostra pra ela o que te faz homem!''. Os dois riem da avó, enquanto a tia diz: ''É melhor ter cuidado com gente velha, gente velha fala tudo o que pensa!''.
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Mas o que é o tempo, então?

A morte da vagabunda

Fiquei sabendo pelo jornal. Me espantei, me espantei de verdade mesmo. As pessoas que conhecemos não morrem assim, simplesmente assassinadas. Assassinatos são notas em jornais, são cenas de filmes, e não mortes reais.
Uma pessoa que toquei, com quem falei, e que teve um papel tão importante na minha vida está morta, assassinada com 4 facadas. Quem matou? Ninguém sabe...Merda! Ninguém deveria ser morto assim, assassinado por ''desconhecidos''. Toda morte deveria ser relatada, explicada, mas tudo bem, isso não importa.
A morta pelo menos eu sei quem foi. Era uma prostituta. Ela foi a primeira mulher da minha vida, quando eu tinha 15 anos. Talvez eu não devesse me importar assim com a morte de uma mulher cujo amor eu tive que comprar, mas eu já deixei há muitos anos de fazer o que eu deveria fazer, segundo a sociedade. Além do mais, o que tem de imoral em transar com uma prostituta? Pelo menos não estou comendo a mulher de ninguém, como tantos ''senhores da moralidade'' fazem.
Mas essa morta não foi especial para mim só porque satisfez meus desejos. Ela olhou nos meus olhos e disse ''Eu te amo''. Lógico que eu sabia que era mentira, mas era tão quase-convincente...E eu, na minha adolescência toda conturbada, aquilo me fez sentir melhor. Por quê? Bom, porque se uma puta tem noção do que é amor, e quer pelo menos por um instante que os outros se sintam amados, talvez o mundo não esteja perdido. Tenho até tentações irritantes de acreditar que a natureza do ser humano é o bem.
Fui ao velório da mulher. Vi sua família, gente simples, sofrida, não tive vontade de falar nada.
Com certeza eles sabiam da ocupação da falecida, mas não deixavam de chorar por ela, talvez um pouco por si mesmos também. Um choro sincero.
Agora estou em casa, sentado. É um mundo tão cão, tão filho da puta que às vezes parece que você vai explodir. Mas eu agüento firme, e ocasionalmente consigo ciscar alguma migalha.

Wednesday, January 10, 2007

Feliz Ano-Novo!

''Eeeee! Feliz ano-novo! Feliz ano-novo!''
As velhas dançavam com as mulheres, as crianças entorpeciam-se olhando os fogos, e os homens flutuavam num mar de ebriedade. Menos Antônio. Apesar de gostar de festejar, naquele Revéillon ele não estava no astral. ''Puta merda'', pensou, ''tenho quarenta e seis anos e já vi tudo quanto é Revéillon, mas o resto do ano é sempre uma chatice''.
Antônio gostava da virada do ano, até demais. Por isso, todos os outros dias lhe pareciam um tédio só, e este ano ele estava especialmente deprimido.
A ceia começou. Do peru, arrancavam-se nacos, em uma disputa ferrenha para ver quem pegava a melhor parte. Piadas ruins e não tão ruins eram contadas, até que chegou a sobremesa e a hora das resoluções de ano-novo.
''Neste ano'', disse Bruno, o gordo irmão de Antônio, ''Eu pretendo emagrecer!''. Aplausos e louvações foram ouvidos. E Antônio pensou: ''Seria melhor que ele dissesse que pretendia não engordar, pois todo ano ele diz que quer emagrecer e acaba dando mais dinheiro para as indústrias têxteis!''.
''No ano vindouro'', disse a velha Ângela, a matriarca e patriarca da família, ''Eu quero que Jesus mantenha a harmonia e mande muitas bençãos sobre nós!''. E Antônio nada pensou, pois aquilo já era tão trivial que ele nem mais tinha uma opinião.
E assim, todos fizeram suas resoluções, e ele percebeu como todos tinham esperanças e alegrias naquela noite, e pela primeira vez na vida tomou uma forte resolução: ''Viverei todos os dias como se fossem o Ano-Novo!''.
Assim, veio janeiro, e depois fevereiro, e Antônio berrava todos os dias ''EEEEEEEEEEEE! Feliz Ano-novo!!!''. Ia bêbado ao trabalho, começou a investir na bolsa ''Pois começar o ano ousando é promessa de resultado'', apostava em cavalos, e nunca perdeu tanto dinheiro quanto naquele ano, mas mesmo assim era muito feliz.
Rodrigo, um antigo rival de Antônio, não conseguia disfarçar sua inveja pela felicidade do outro. Acabou arquitetando um plano malévolo para destruir seu inimigo.
Veio o dia primeiro de julho, e Antônio chegou no trabalho gritando ''EEEEEEEEEEEEEEEE! Feliz ano-novo!''. Rodrigo olhou para ele e disse: ''Antônio, estamos em julho...justamente na metade do ano!''. Aquilo foi trágico para Antônio, e durante o dia todo ele só pôde balbuciar ''Mas, mas,mas...''.
Rodrigo estava satisfeitíssimo com seu triunfo. Agora, além de pobre, seu rival era infeliz.
Veio o outro dia, e Rodrigo viu Antônio entrar gritando ''EEEEEEEEEEE! Feliz ano-novo'' e espantou-se. ''Mas Antônio! Hoje é 2 de julho!''. ''Justamente, Rodrigo! estamos no fim de ano!''.

Rodrigo então tomou uma decisão extrema: comportaria-se como Antônio. No outro dia, chegou gritando ''EEEEEEEEEEE! Feliz ano-novo!!!'', vestindo uma camisa havaiana e com uma garrafa de champanhe nas mãos.

Imediatamente foi demitido. Sabe como é, trabalhavam em uma agência de publicidade, e o plágio não é algo muito admirado pelos chefes.

Monday, January 01, 2007

O casulo

Era uma fazenda de seda, cheia de casulos, pertencente a um homem muito trabalhador.
Todos os dias esse homem colhia alguns casulos e levava embora.
Mas havia um casulo em um canto obscuro que o homem não tinha visto. Apesar de estar inteiramente envolvida pela seda, a lagarta deste casulo sabia que suas irmãs estavam sendo levadas pelo homem. A cada casulo que ia embora, ela se sentia mais solitária, e odiava o homem cada vez mais.
Resolveu então se vingar. Crescer, tornar-se forte, lutar. Canalizaria todo o seu esforço na vingança.
E assim, por sorte ou azar da lagarta, ela acabou não sendo colhida, podendo pôr o seu plano em ação. Todos os dias ela fazia um pouco de esforço, tentando se transformar em uma borboleta poderosa. O tempo normal de incubação passou, e ela continuou no casulo ainda por vários dias, até sentir-se forte o suficiente.
Sedenta por vingança, deixou o casulo e voou pela fazenda, certa de que poderia matar o algoz de suas irmãs.
Quando viu o homem, a borboleta lançou-se sobre ele. O homem levou um susto ao vê-la: negra, enorme, feia e desproporcional, mais parecia uma mariposa.
E ele, que sempre gostou de borboletas, acabou matando a primeira naquele dia.